Santa Casa fecha as portas e Câmara pede intervenção

Muitos pacientes com procedimentos cirúrgicos ou exames agendados procuraram a instituição filantrópica e foram informados que terão que aguardar

Após cerca de 200 anos de funcionamento, a Santa Casa de Misericórdia de Cuiabá amanheceu, ontem (12), com as portas fechadas. Em uma das entradas, a direção do hospital filantrópico fixou um informativo esclarecendo que a medida foi tomada devido a situação financeira. Com isso, os atendimentos médicos de convênios, particulares e do Sistema Único de Saúde (SUS) foram suspensos até a regularização de repasses de recursos pela prefeitura da capital.

Ainda ontem pela manhã, a Mesa Diretora da Câmara de Vereadores decidiu encaminhar ao prefeito Emanuel Pinheiro pedido de intervenção na gestão da Santa Casa. Enquanto isso, muitas pessoas, especialmente do interior de Mato Grosso e com procedimentos cirúrgicos ou exames agendados, procuravam a instituição filantrópica e foram apenas informadas que terão que aguardar.

Outros pacientes, como os portadores de câncer, estariam sendo remanejados para outras unidades hospitalares. “Eu liguei na sexta-feira (8) e perguntei se poderia vir. Disseram que sim, mas acabei de saber que não estão atendendo. Liguei para o doutor (ex-presidente do hospital) Antonio Preza que pediu para aguardar”, comentou a dona de casa Sandra Aparecida dos Santos, moradora de Querência (927 quilômetros, ao nordeste da capital).

Sandra Aparecida explicou que o neto, de 6 anos, estava com um procedimento de dilatação esofágica agendado para hoje, porém foi informada que não seria mais feito. “O gastro já disse que a dilatação não será mais realizada. Então, pedi para o doutor Preza um laudo para que a gente possa fazer outros encaminhamentos. Ele precisa fazer essa dilatação todo mês e no particular custa R$ 800,00”, comentou.

Já dentro da unidade e pelos corredores do hospital, praticamente não havia movimento e funcionários com cinco meses de salários, além do décimo terceiro, lamentavam a situação e estavam preocupados. “Não está fácil para ninguém. Estamos passando necessidade. A Santa Casa nunca chegou nesse ponto. Chegamos ao fundo do poço sem uma corda para sair”, disse o maqueiro Joaquim Pereira dos Santos.

“É uma inviabilidade total para os trabalhadores, que não têm outro recurso e depende daqui. A expectativa era essa ajuda da prefeitura, que não veio por razões e informações que prefeitura detém. Também não tiro a razão deles (município) por que aqui realmente virou um saco sem fundo. Há informação que aqui (Santa Casa) entrou R$ 48 milhões de emendas parlamentares em 2018 e o dinheiro não deu. Fora que a Santa Casa produz mensalmente R$ 5 milhões, que recebeu mensal. Também não deu. Aonde é que foi aplicado todo esse dinheiro”, disse o presidente do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem (Sinpen), Dejamir Soares.

Atualmente, o déficit da unidade hospitalar seria da ordem de R$ 100 milhões. Ainda na noite da segunda-feira, a prefeitura emitiu uma nota de esclarecimento afirmando que a Santa Casa não cumpriu com o acordado com a administração municipal. “Foram repassados R$ 24.866.260 para a instituição, mas os serviços hospitalares que deveriam ser oferecidos aos cidadãos não foram executados. Sendo esse o motivo da dívida da Santa Casa com a Prefeitura de Cuiabá”, frisou.

A nota diz que a prefeitura se comprometeu a ajudar a Santa Casa a continuar de portas abertas repassando o valor R$ 3,6 milhões como forma de adiantamento em troca de serviços hospitalares para a população. Porém, diante do fato de que a Santa Casa estar sob investigação por parte da Defaz, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) recebeu na última quinta-feira (07) uma notificação da Controladoria Geral do Estado (CGE) recomendando para que não fosse feito nenhum repasse financeiro para a instituição enquanto não findarem as investigações devido à auditoria solicitado pela Defaz.

“A Procuradoria Geral do município tomou conhecimento ontem (11) do ocorrido e, por cautela, recomendou a suspensão do repasse, encaminhando todos os documentos ao prefeito, que está em viagem, para que tome conhecimento, analise a situação e tome a decisão referente ao fato”, afirmou. “O prefeito Emanuel Pinheiro esclarece que, acima de tudo, tem compromisso com a população e sabe que muitos dependem dessa importante instituição filantrópica e tão logo analise os documentos tomará a decisão baseado na legalidade da questão, sempre priorizando a humanização do atendimento à saúde dos cuiabanos”, acrescentou. A prefeitura frisou ainda que não é obrigada a passar mais nenhum valor para a instituição e que esta seria uma ajuda e não uma obrigação.

Diante do impasse, a Mesa Diretora da Câmara de Vereadores decidiu, ontem pela manhã, encaminhar ao prefeito Emanuel Pinheiro pedido para que intervenha na gestão da Santa Casa da Misericórdia. O pedido foi defendido após reunião do Colégio de Líderes.

Existem suspeitas de que um dos ex-diretores da entidade teria construído um hospital em Alta Floresta (800 quilômetros, ao norte de Cuiabá). “Existe uma caixa preta na Santa Casa que precisa ser aberta e isso só se dará por meio de intervenção. Da forma como está não há como negociar mais na diplomacia”, disse o vereador Toninho de Souza. Ao fim da sessão, o entendimento dos vereadores foi a de que é necessário ouvir primeiro o Ministério Público (MP-MT) sobre a legalidade da intervenção no hospital.

PRONTO-SOCORRO – O presidente do Sinpen, Dejamir Soares, garante que o pronto-socorro municipal já sente os reflexos com interrupção dos atendimentos na Santa Casa de Misericórdia. Há cerca de um mês, os funcionários do hospital filantrópico vinham mantendo apenas 50% dos serviços.

“O pronto-socorro está abarrotado, com pacientes arrastando pelo chão por que não aonde colocar mais. A categoria do pronto-socorro sofrendo. Quando a Santa Casa nós estamos dizendo que estão sendo deixadas de ser ofertadas 150 vagas para a população mato-grossense”, disse. Conforme ele, somente entre UTI pediátrica e neonatal e a UTI adulto estão deixando de ser ofertados 30 leitos pela unidade. “Ai você imagina como é que está lá no pronto-socorro”, comentou. A reportagem do Diário não conseguiu falar com o diretor da Santa Casa, Carlos Coutinho.

Fonte: DC (Joanice de Deus)

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