Operação Lava Jato se vê diante de obstáculos no dia em que completou cinco anos

Investigações iniciadas a partir de mensaleiro resultaram na condenação de 155 pessoas e na recuperação de quase R$ 13 bi; decisões do STF e ataques públicos indicam momento desfavorável para força-tarefa – que pede apoio

Operação Lava Jato descobriu na Petrobras o maior esquema de corrupção já noticiado no Brasil
Tânia Rego/Agência Brasil – 31.7.2015

Operação Lava Jato descobriu na Petrobras o maior esquema de corrupção já noticiado no Brasil

Foi há exatos cinco anos que equipes da Polícia Federal e do Ministério Público Federal (MPF) saíram às ruas de seis estados e do Distrito Federal para cumprir um total de 128 mandados judiciais expedidos pela até então nada conhecida 13ª Vara Federal de Curitiba. A megaoperação deflagrada naquele 17 de março de 2014 integrava quatro frentes. Três delas foram batizadas com nomes em homenagem a filmes clássicos: Dolce Vita, Bidone e Casablanca. À quarta, foi dado o nome de Operação Lava Jato.

Aquelas diligências tiveram origem em investigações ligadas a crimes de lavagem de dinheiro praticados pelo deputado federal José Janene (PP-PR), um dos réus do processo do mensalão. Denúncias mudaram o foco dos investigadores para a atuação de uma rede de doleiros que agiam dentro e fora do País. O maior alvo, então, passou a ser o doleiro Alberto Youssef. A partir dele, os investigadores se depararam com o maior esquema de corrupção e lavagem de dinheiro já descoberto no Brasil – transformando a Operação Lava Jato em um símbolo do próprio combate à corrupção.

Desde que foi identificado o esquema criminoso acerca de contratos da Petrobras, as investigações se expandiram, ganhando ramificações em outros estados (especialmente Rio de Janeiro, Distrito Federal e São Paulo) e já renderam condenação a 155 pessoas diferentes – algumas delas, mais de uma vez. As penas somadas dos condenados já chegam a 2.242 anos de prisão.

De acordo com balanço divulgado pelo Ministério Público Federal (MPF), as investigações já resultaram na recuperação de quase R$ 13 bilhões que haviam sido desviados por políticos e servidores públicos da Petrobras e de outras empresas públicas, em conluio com executivos de grandes empreiteiras. Foram 60 fases da operação até hoje, que ensejaram o cumprimento de mais de 300 mandados de prisão.

Figuras importantes do cenário político nacional foram condenadas e presas desde que a operação foi deflagrada. Ilustram esse ról nomes como o de  Eduardo Cunha (ex-presidente da Câmara, preso desde outubro de 2016), Sérgio Cabral (ex-governador do Rio de Janeiro, preso desde novembro de 2016), e a ‘cereja do bolo’, o  ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (preso desde abril do ano passado).

Na esteira desses acontecimentos, o até então juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sérgio Moro , ganhou holofotes e admiradores Brasil adentro. Após a eleição de Jair Bolsonaro, em outubro do ano passado,  Moro foi alçado ao posto de ministro da Justiça e Segurança Pública do novo governo.

Momento é desfavorável para a Operação Lava Jato

Ministro Gilmar Mendes atacou coordenador da Operação Lava Jato e proferiu decisões contrárias aos interesses do MPF
Rosinei Coutinho/SCO/STF – 13.6.18

Ministro Gilmar Mendes atacou coordenador da Operação Lava Jato e proferiu decisões contrárias aos interesses do MPF

Apesar do prestígio acumulado ao longo dos últimos anos, o que fez da Lava Jato se tornar até mesmo uma das principais bandeiras de candidatos nas duas últimas eleições, o crédito da operação atualmente se encontra abalado.

Somente nessa última semana, foram registradas duras críticas públicas à força-tarefa de procuradores que atuam nas investigações e também derrotas preocupantes para o futuro da operação.

No Supremo Tribunal Federal (STF), a maioria dos ministros decidiu, na quinta-feira (14), que  cabe à Justiça Eleitoral julgar crimes como corrupção e lavagem de dinheiro relacionados ao crime de caixa dois. Para o MPF, a decisão tem o poder de prejudicar processos que tramitam atualmente na Justiça Federal e também de minar ações que já renderam condenações fora da Justiça especializada (a Eleitoral).

No julgamento que impôs essa derrota aos procuradores da Lava Jato, o ministro Gilmar Mendes desferiu também ataques diretos ao coordenador da força-tarefa de Curitiba, Deltan Dallagnol . O magistrado usou adjetivos como “desqualificado”, “gângster”, “gentalha”, “despreparado” e “covarde” para se referir a ações lideradas por Dallagnol.

Também no Supremo, um acordo com a Petrobras anunciado no fim de janeiro pelo MPF foi suspenso nesta semana. Esse acordo previa a criação de uma fundação de interesse social para realizar políticas públicas com aporte de R$ 2,5 bilhões da estatal, mas foi sustado por decisão do ministro Alexandre de Moraes , atendendo a pedidos da procuradora-geral da República, Raquel Dodge – justamente, a chefe do Ministério Público Federal.

Dodge reclamou do “protagonismo” dos procuradores de Curitiba e argumentou que eles extrapolaram suas atribuições ao costurarem acordo que orienta a aplicação de recursos de empresa de economia mista, tal como a Petrobras. Declarações na mesma direção surgiram também na boca do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e em petição da defesa do ex-presidente Lula à Justiça Federal em Curitiba.

Operação Lava Jato cobra apoio

Procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa de procuradores que atuam na Operação Lava Jato
Fabio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil – 14.11.16

Procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa de procuradores que atuam na Operação Lava Jato

Diante da sequência de reveses, a Lava Jato se mobilizou neste sábado (16) em um ato de desagravo. Procuradores de vários Estados foram a Curitiba para manifestar apoio à força-tarefa que atua na capital paranaense e para pedir apoio popular para a operação.

“O que essa pressão fez foi nos unir ainda mais à sociedade brasileira, que é nossa grande financiadora. A Lava Jato jamais existiria sem o apoio da sociedade. Os efeitos dessa decisão do STF escapa ao nosso controle. Nós continuaremos a fazer nosso melhor, a desempenhar nosso trabalho com amor à sociedade e com perseverança. Agora, cabe à sociedade brasileira, por meio de seus posicionamentos, do Congresso e do governo federal, decidir que país quer para si”, disse Dallagnol.

“Precisamos que outras Lava Jatos se multipliquem para que a gente realmente passe a limpo a administração no País”, corroborou o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), procurador José Robalinho Cavalcanti.

Embora o momento se mostre desfavorável ao trabalho dos investigadores, essa está longe de ser a primeira vez em que a força-tarefa sofre derrotas na Justiça. E, ao longo dos cinco anos de operação, a força-tarefa já deu provas de que consegue se adaptar aos novos cenários.

Assim foi, por exemplo, quando o ministro Gilmar Mendes concedeu decisão que proibía o instrumento da condução coercitiva para a tomada de depoimentos de investigados, em 2016. Após isso, o MPF passou a pedir a prisão temporária (que tem duração de cinco dias, prorrogáveis por mais cinco) para conseguir ouvir alvos da operação.

Adaptação parecida deu-se também no mês passado, no âmbito de investigações contra o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira de Souza, o Paulo Preto. Preso duas vezes após pedidos de procuradores de São Paulo, Paulo Preto foi solto em ambas ocasiões por habeas corpus concedidos pelo ministro Gilmar Mendes. Até que, em fevereiro, a força-tarefa de Curitiba levou o caso do ex-diretor da Dersa para o berço da operação  e, na teoria, conseguiu tirá-lo do alcance de Gilmar, uma vez que o relator dos processos da Lava Jato na capital paranaense é o ministro Edson Fachin.

O histórico permite que Deltan Dallagnol, que chegou a ver a “janela” de combate à corrupção “começar a se fechar” , mostre-se esperançoso de que a Operação Lava Jato ainda celebrará outros aniversários. “Faremos tudo que for legítimo e estiver ao alcance para defender o trabalho da Lava Jato”, disse o procurador nesse sábado .

Fonte: Último Segundo (Por Nicolas Iory – iG São Paulo)

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