Os sinais

*Por Sérgio Cintra

Há sinais por toda parte: no céu, na água, nas pedras, no vento. Sinais perceptíveis em sons, em formas, em cores, em aromas. Todos, em maior ou menor grau, incorporados ao cotidiano. Há sinais para tudo: perigo, sorte, azar, aviso, premonição etc. Porém, houve um tempo no qual eles não existiam, pelo menos quando se trata de sinais gráficos. Tente ler o seguinte texto: OBrasilpassaporgandestransformacoeseamaiorpartedapopulacaonaotemaminimanocaodoqueesta-
acontecendoenemsabeseserabomouruimparaela. Complicado, não é? Hoje, vamos passear, brevemente, pela origem de alguns sinais de pontuação e acentuação, a maioria, atualmente, negligenciados ou, até, esquecidos.

Quando dos primeiros textos escritos, não havia separação entre as palavras. nem sinais de pontuação e nem de acentuação, como se viu no exemplo do parágrafo anterior. Separação entre palavras, pontuação e acentuação existem por causa de contribuições de linguistas e escritores de diversas culturas e ao longo de milhares de anos. Antes, prevalecia o “scriptio continua”, o que dificultava, e muito, a leitura e o ensino do latim e do grego, importantes na difusão do cristianismo. Provavelmente, o espaço entre as palavras tenha surgido em um mosteiro irlandês, na Idade Média. Esses monges facilitaram a leitura e, consequentemente, a difusão do ideário cristão.

Se a tentativa de separação entre as palavras remonta ao século III a.C, verdade é que se consolida apenas no século VII; os sinais de pontuação são ainda mais tardios e surgiram da necessidade de reproduzir a cadência presente na fala. A vilipendiada, aviltada e, inclusive, ignorada vírgula (do latim virga, varinha) que foi inventada, pelos gráficos italianos, no século XV. Seu uso é determinatante na produção de sentido, aliás, afirma-se que no Oráculo de Delfos, na Grécia, está escrito: “Irás voltarás nunca morrerás”, essa sentença pode ser interpretada de duas maneiras, dependendo do uso da vírgula: ou “Irás, voltarás, nunca morrerás” ou “Irás, voltarás nunca, morrerás”. De qualquer maneira, as Pítias (sacerdotisas) tinham suas previsões acertadas.

O também italiano e medievo ponto-e-vírgula, desaparecido dos textos jornalísticos e das redações de Enem e vestibulares, assemelha-se à Arara Azul: em vias de extinção. Normalmente usado em períodos mais longos, já com excessos de vírgulas ou separando orações que expressem oposição. Outro presente na nefasta lista do empobrecimento de “A última flor do Lácio”, como diria Bilac, é o dois-pontos. O sinal quinhentista atingiu sua maioridade nos anos setecentos; todavia, na atualidade, encontra-se senil e serve, entre outras funções, para evidenciar as citações diretas. Nada mais raro e, infelizmente, não menos decadente que o travessão – hoje, restrito a introduzir diálogos; a sua importante função de realçar palavras ou expressões e destacar explicações parece que se perdeu no tempo.

Como não terminar com o ponto-de-interrogação? De origem romana, materializado pela palavra Quaestio, era usado de forma abreviada ao final de questionamentos. Que tempo nos separa do derradeira pontuação? Bem disse João cabral de Melo Neto em “Questão de Pontuação”: Todo mundo aceita que ao homem/ cabe pontuar a própria vida:/ que viva em ponto de exclamação/ (dizem tem alma dionisíaca)// viva em ponto de interrogação/ (foi filosofia, ora é poesia);/ viva equilibrando-se entre vírgulas/
e sem pontuação (na política):// o homem só não aceita do homem/ que use a só pontuação fatal:/ que use, na frase que ele vive/ o inevitável ponto final.

*Sérgio Cintra é professor de Linguagens e de Redação em Cuiabá.
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