A imprevisibilidade decisória – onde, quando, quem julga – volta a reinar. A insegurança jurídica é uma punição dada ao Brasil. De Lava a Jato a Lava as Mãos
*Por Joaquim Falcão
O futuro do Brasil se faz perguntas muito simples. Mas decisivas. Diante da extensão da corrupção vista, ouvida e comprovada, primeiro exposta pelo mensalão de Joaquim Barbosa, e depois pelo juiz Sérgio Moro: quem cometeu o quê? No caso, Lula cometeu algum crime? Fez algo inadequado? Ou agiu dentro dos limites legais?
O Supremo não responde. Apenas constrói respostas reflexas. Não entra no mérito. Oculta-se em debates processuais sobre competências internas. Adia o Brasil. Nossa economia. Os investimentos. Nossa democracia. A normalização política.
Fere o direito de informação do cidadão. Não por esconder as respostas ilegalmente. Mas por não tê-las, hesitá-las, quando já deveria ter. Uma maneira de esconder é não decidir.
Em vez de responderem ao Brasil, discutiram em autofagia institucional. Quem manda em quem internamente? O relator manda na turma? A turma manda no relator? O plenário tem competência? Para quê? Tem, não tendo? O Supremo parece não saber quem é o Supremo.
Pode um ministro pedir vista por dois anos e três meses? Vital para o País? Pode querer ganhar votação no grito, como Barroso bem apontou?
Se o juiz Moro é suspeito, tudo ou quase tudo tem que recomeçar? Rejulgado em Brasília? A imprevisibilidade decisória – onde, quando, quem julga – volta a reinar. A insegurança jurídica é uma punição dada ao Brasil. De Lava a Jato a Lava as Mãos.
O ministro Barroso descreveu a natureza da corrupção revelada por Curitiba e a tática processual da vingança judicializada. A corrupção era sistêmica, planejada, interligada. Para combatê-la é preciso direito processual sistêmico. E não como instrumento da segmentação e individualização da corrupção.
Não há estado democrático de direito sem um direito processual eficiente. Talleyrand dizia que, às vezes, palavras escondem os pensamentos. O direito processual, às vezes, é usado para esconder o direito substantivo.
Quem melhor definiu ontem o Supremo foi o decano Marco Aurélio. Parecia um caleidoscópio. Aquele tubo, que criança gosta, onde as pedrinhas mudam de figura conforme você gira, em oposição, cada uma de suas partes.
*Joaquim Falcão – Membro da academia brasileira de letras e professor titular de direito constitucional da escola de direito da FGV-RJ